A história do Seu Quintino

Quando o conheci já estava aposentado, era um agradável contador de histórias, desenrolava uma prosa como poucos

Foto ilustrativa: Pixabay

A história do Seu Quintino

*Por Carlos Galetti

Todos o conheciam como Seu “Quintin”, mas seu nome era Quintino. Quando o conheci, ele tinha 78 anos, uma peitaria de homem curtido no serviço pesado, moldado pelo serviço da roça, plantando café no Espírito Santo, terra onde nasceu.

Depois aprendeu a profissão de pedreiro, profissão que o trouxe para o Rio de Janeiro, onde construiu muitas casas, fez-se Mestre de Obras, tocando muito serviço de empreitada, destacando-se como profissional excelente.

Quando o conheci já estava aposentado, era um agradável contador de histórias, desenrolava uma prosa como poucos, tendo assunto e conteúdo.

Morava numa viela que subia para o morro, logo no início, onde tinha o orgulho de dizer que, logo que juntou um dinheirinho comprou o terreno e na primeira sobra começou a construir a casa.

Com seu trabalho honesto criou cinco filhos, fazendo-os dignos e honrados. Todos brilhavam os olhos quando falavam daquele pai, tinham nele o grande exemplo.

Nada faziam sem antes consultar o velho, pois sabiam da sua experiência e sabedoria. Sabedoria esta que não vinha dos livros, mas daquela apreendida ao longo da vida.

Todos os dias descia ao boteco que tinha próximo a saída da viela que morava, às 11h e às 18h. Nesses horários tomava seu aperitivo, uma aguardente que, cerimoniosamente, degustava ao longo de grande tempo, enquanto pitava seu “porronco” (fumo de rolo).

Algumas sextas trazia a sanfona, não sendo exímio tocador, mas só sua simpatia já agradava. Nesses dias tocava mais e conversava menos, deixando aqueles que gostavam de ouvi-lo na saudade.

Quando conversava falava do seu lugar, no interior do Espírito Santo. Dizia das amizades de criança, dos conhecidos que fez ao longo da vida. Descrevia com fidelidade os lugares que podiam ser pouco atraentes, mas na sua descrição se tornavam lindos.

Quanto aprendizado nos legou ao longo daqueles tempos, lições mais valiosas que as dos bancos escolares, pois vinham recheadas de ensinamentos da vida de sacrifício. Lições que moldam caráter e criam homens.

Nos faltou aos noventa e quatro anos. Um dia subiu para almoçar e tirar a sesta, dormiu e não mais acordou. Morreu como viveu, com suavidade.

Seu enterro tinha todos os matizes, pretos como ele e brancos como o português dono do bar; tinha ricos e pobres; tinha sábios e analfabetos; tinha seus filhos chorosos, que abraçavam sua mãe; como tínhamos nós, órfãos da sua presença.

Seu Quintin nos deixou o legado do seu exemplo, a simpatia do seu sorriso, a sanfona desafinada, o cheiro do seu porronco no ar.

Dizem que essas pessoas viram estrelas, acredito, pois às vezes vejo uma que tem um brilho diferente, trazendo-me a certeza de que é o Seu Quintin.

Inté!…

*Carlos A. M. Galetti é coronel da reserva do Exército, foi comandante do 34o Batalhão de Infantaria Motorizado. Atualmente é empresário no ramo de segurança, sendo sócio proprietário do Grupo Iguasseg. 

Vivendo em Foz já há mais de 20 anos, veio do Rio de Janeiro, sua terra natal, no ano de 1999, para assumir o comando do batalhão.

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