Pense nisso: pelas fronteiras, entram ilegalmente 56 bilhões de cigarros fabricados no Paraguai. Mais 1,5 bilhão de cigarros são fabricados clandestinamente no Brasil, com máquinas e fumo paraguaios.
Sem contar os cigarros apreendidos, que em 2017 somaram 221,95 milhões de unidades. Menos de 4% de tudo o que entra no mercado brasileiro.
Está certo que as fronteiras são porosas, mas parece insensato reconhecer que mais da metade dos 106,8 bilhões de cigarros que os brasileiros queimam vem do Paraguai.
Logística e suborno
Mas a prisão de uma quadrilha de contrabandistas de cigarros do Mato Grosso do Sul explica por que isso ocorre.
Os 26 integrantes, que viraram réus na sexta-feira (30), depois que a Justiça Federal aceitou denúncia do Ministério Público, trouxeram ao Brasil, só ano passado, pelo menos 1.200 carretas de cigarros contrabandeados do Paraguai.
Carretas que rodaram pelo Centro-Oeste, pelo Sudeste, pelo Nordeste.
Como isso é possível? É que a operação dos contrabandistas presos era sofisticada e simples ao mesmo tempo. Sofisticada porque exigia uma logística que inclui gerentes, batedores, olheiros e motoristas para o escoamento de cigarros. E simples porque para isso a quadrilha fazia o pagamento sistemático de propinas a policiais responsáveis pela fiscalização nas estradas.
É a famosa corrupção em ação, facilitada pelo fantástico lucro que o contrabando de cigarros proporciona. E porque essa atividade, embora ilegal, é menos malvista pelas autoridades e pelo público em geral do que o tráfico de drogas e de armas, por exemplo.
Mas o problema é que o contrabando de cigarros é um dos braços do crime organizado, que também atua no tráfico de drogas e de armas. Afinal, a logística necessária é a mesma para passar qualquer tipo de mercadoria.
Em relação aos cigarros, adivinhe de quem é a fábrica que mais “exporta” ao Brasil? A Tabesa, Tabacalera del Este S.A., fornece de 70% a 80% das marcas de cigarros vendidas ilegalmente no Brasil.
Ela produz duas marcas que os fumantes brasileiros conhecem bem: Eight e Gift. A Tabesa pertence a ninguém menos que o ex-presidente Horacio Cartes, que obviamente nega qualquer ilegalidade.
A fábrica abastece não só o mercado brasileiro, como o argentino, o boliviano e onde quer que o preço do cigarro local seja superior ao de contrabando. No caso do Brasil, os impostos fazem com que os cigarros produzidos aqui custem o dobro.
Sem regras
O problema não é só que o cigarro paraguaio é mais barato e por isso vende mais. Some-se a isso o fato de que as fábricas paraguaias não precisam obedecer a nenhuma regra da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o que garantiria, digamos, uns anos a mais para o fumante.
O preço mais alto do cigarro no Brasil é justamente para conter ou reduzir o tabagismo, uma das principais causas de morte. Isso é feito no mundo inteiro.
Aí, vem um país vizinho, com preço baixo e sem qualquer controle da produção, e invade o mercado brasileiro.
Autoridades brasileiras sabem que, se o Paraguai cobrasse um imposto maior sobre o cigarro, o impacto seria violento sobre o mercado brasileiro, com queda drástica no contrabando.
Marito e Bolsonaro
Até o fim da gestão de Horacio Cartes, isso nem era cogitado. Com o novo presidente no Paraguai, Mario Abdo Benítez, e com o novo presidente no Brasil, Jair Bolsonaro, pode ser que as coisas mudem.
Porque Mario e Horacio não se bicam. E porque, parece, o governo Bolsonaro não vai fechar os olhos pras irregularidades que vêm de fora. Espera-se.