Chalana no Rio Amazonas

Observo que se trata de uma vingança, tantas vezes vi alguém partindo numa chalana, deixando-me, por vezes, plantado na pedra do porto

Foto: aquelemato.org

Chalana no Rio Amazonas

*Por Carlos Galetti

Enquanto a chalana em que me encontro desfila pelo Rio Amazonas, vou recordando de outras chalanas que estiveram presentes na minha vida. Lembro de um rosto que ficou na taça, de um amor adormecido no tempo, da dor de separações por não assumir, das tristezas impingidas por ter medo de perder a liberdade.

Opção por ser prisioneiro da solidão, escolha feita pelo egoísmo de satisfazer a si mesmo, deixando sofrer alguém que pecou somente por amá-lo intensamente.

Segue a chalana gritando sua vontade através do seu motor inclemente, que se afasta no tempo, driblando as ondas, disfarçando intenções, ignorando as lágrimas de quem parte, obedecendo a dor e a recusa.

Ao longe, na margem, uma lâmpada “pirilampeia”, arvorando-se na escuridão do continente que se faz presente, insistindo em dizer que ali é um porto seguro, mas não seu, posto que você está na imensidão daquelas águas, indo não se sabe para onde, procurando não se sabe o quê.

O sol quando desapareceu, levou-nos a claridade, deixando seus raios que viraram estrelas. Agora, com a chegada da lua, com seus raios vivificantes, cheguei a pensar em revigoramento, em ter mais forças, mas, decepcionado vejo que nada mudou, continuo balançando ao ritmo das ondas, tal qual meus pensamentos.

Observo que se trata de uma vingança, tantas vezes vi alguém partindo numa chalana, deixando-me, por vezes, plantado na pedra do porto. Agora quem foi fui eu, parti e deixei alguém parado, pregado na pedra do porto, esperando sabe-se lá o quê.

O barqueiro apita avisando a dor que vai passando, tolo pensando que para si tem salvação, que algo pode mudar, pois, inexoravelmente nada muda. A marcha é a mesma, o caminho delineado sempre adiante, nada volta, nem a boemia regressou, o poeta continua a fingir sinceramente, tal qual Fernando Pessoa.

A floresta amazônica apresenta um aspecto fechado, intransponível, diria até inexpugnável. Parece intencional na determinação de me levar para longe, pois o motor não para, levando-me em direção a escuridão.

Com o tempo nos engessamos nessas provas que acabamos por nunca ganhar. Sem sentir colecionamos derrotas, amargamos insucessos, até nos tornamos insensíveis às perdas.

Os faróis varrem as margens, certamente procurando sua orientação, tal qual um cego que bate a bengala, na incerteza do caminho a seguir. A desorientação em nada me ajuda, posto que só me faz mais inseguro e titubeante.

O motor não grita mais, não há mais desespero. Seu mecanismo de máquina voltou a ser insensível, nada mais importa, nem lágrimas nem sorrisos. O grito não é ouvido, as engrenagens rangem, mas não é de dor, é tão-somente a falta de graxa ou será que alguém ainda sofre?

*Carlos A. M. Galetti é coronel da reserva do Exército, foi comandante do 34o Batalhão de Infantaria Motorizado. Atualmente é empresário no ramo de segurança, sendo sócio proprietário do Grupo Iguasseg. 

Vivendo em Foz já há mais de 20 anos, veio do Rio de Janeiro, sua terra natal, no ano de 1999, para assumir o comando do batalhão.

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