A consequente onda de reclamações e queixumes com a retirada de Paulo Leminski das ruas revela que pode haver um novo filão a ser explorado em Foz do Iguaçu – os grafites de poesia.
Pense no slogan: Foz do Iguaçu, a cidade das águas, da energia e da poesia.
Foz tem até um hostel chamado Poesia. Sorte (ainda maior) dele se a ideia pegar.
Vale lembrar que a cidade já teve um movimento de espalhar poesias pelos muros e paredes. Era o Ação Poética Tríplice Fronteira, que versejou aqui e ali.
Mas é preciso mais que um pincel na mão e um verso na cabeça. Precisa da beleza do grafite, mesclar a poesia com cores.
É preciso evitar que o grafite seja confundido com a pichação, aquela intervenção que apenas degrada a paisagem da cidade.
Abaixo a pichação, viva o bom grafite.
Desenvolvamos esta ideia. Para o Leminski, já está sendo preparado um novo muro, que receberá com acréscimos o que foi perdido na esquina das avenidas República Argentina e Paraná.
Mas, e por que não ir mais além? Por que não difundir a poesia nos quatro cantos da cidade? Por que não espalhar versos por muros públicos e particulares (com a devida licença do proprietário, obviamente)? Em fachadas, em paredes, tudo de forma anarquicamente… disciplinada.
Vamos construir ainda melhor esta ideia, que pode não apenas se tornar um atrativo turístico, como despertar uma vocação cultural. Aliás, cultura é uma necessidade básica de Foz, uma cidade inculta que é bela apenas nos seus atrativos, não pelo urbanismo ainda tão deficiente.
Poderia haver alguns eixos a nortear a grafitagem de poesia na cidade. Por exemplo, na direção de Itaipu, na Avenida Tancredo Neves, por que não versos assim?
Como um riso trancado
o rio explode numa gargalhada
de luz, calor, energia!
Parece até mágica
Do homem da Usina.
(E, se duvidares muito, daqui a pouco sairão voando
Todas as gravatas borboletas…)
Belo poema, não? É do gaúcho Mário Quintana, que visitou e se espantou e encantou com Itaipu.
Rumo às Cataratas, há outro gaúcho, Luiz Fernando Verissimo, que versejou e brincou com uma de suas musas inspiradoras:
Deus, vaidoso como qualquer artista
Pensa em publicar um catálogo da sua obra
De Gênesis até anteontem.
Só ainda não sabe o que botar na capa:
As Cataratas do Iguaçu, uma noite de luar
Ou a Patrícia Pillar.
No Marco das Três Fronteiras, que tal mais um Mário Quintana, a falar de nossos rios e fronteiras?
Os rios são caminhos
mais antigos
que a redondeza da terra.
Eles descem horizontes
seguem sozinhos no ar.
E a bela asa em pleno voo,
entre o partir e o chegar,
sem se importar com fronteiras.
Mas como se há de parar?
E ainda a sofisticação dos versos de João Cabral de Melo Neto, ao longo do Rio Paraná, do Rio Iguaçu, de qualquer dos rios de Foz:
era como um cão sem plumas.
Nada sabia da chuva azul,
da fonte cor-de-rosa,
da água do copo de água,
da água de cântaro,
dos peixes de água,
da brisa na água.
E no caminho entre o aeroporto e os hotéis ou o centro da cidade, que tal versos de alguns dos maiores poetas do mundo? E na própria língua deles, porque, afinal, turista gosta de se sentir em casa e homenageado.
Um curtíssimo de William Shakespeare, pra impressionar:
To die: to sleep;
No more
Ou o francês Charles Baudelaire, em versos sobre o amor que se perde por aí.
Ailleurs, bien loin d’ici! trop tard! jamais peut-être!
Car j’ignore où tu fuis, tu ne sais où je vais,
Ô toi que j’eusse aimée, ô toi qui le savais!
O verso encantado de Walt Whitman:
Passing stranger! you do not know how longingly I look upon you,
You must be he I was seeking, or she I was seeking (it comes to me, as of a dream)
E em espanhol, nada? Jorge Luiz Borges, claro, orgulho da Argentina, tem que comparecer, com verso de ciúme e pureza.
Debo fingir que hay otros. Es mentira.
Sólo tú eres. Tú, mi desventura
y mi ventura, inagotable y pura.
No Parque Nacional do Iguaçu – ou onde houver mata -, que tal Federico Garcia Lorca? Seus versos falam do verde, não do verde que substituiu o grafite de Leminski, mas do verde da natureza.
Verde que te quiero verde,
verde viento, verdes ramas.
Ou o chileno Pablo Neruda, com o infinito amor.
El mundo es más azul y más terrestre
de noche, cuando duermo
enorme, adentro de tus breves manos.
Mas ainda mais interessante seria ver a sisuda – e feia – Avenida Brasil ganhar ares coloridos, com as paredes, hoje carregadas dos rabiscos das pichações, ostentando poesia e cores.
Poesia de brasileiros, pra combinar com o nome da avenida. Muitos. Pode-se usar a estrofe mais famosa, o trecho mais conhecido. Ou a poesia inteira. Questão de gosto. Opções não faltam.
De Carlos Drummond de Andrade:
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Do paranaense Dalton Trevisan, que é da prosa curta, tão curta que às vezes parece um verso.
Não fale, amor. Cada palavra, um beijo a menos.
De Manuel Bandeira, um imperdível:
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
E o lirismo de Manoel de Barros, em três opções.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
ou:
Você vai encher os vazios
com as suas peraltagens,
e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!
ou ainda:
No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá
onde a criança diz: Eu escuto a cor dos
passarinhos.
Ah, você dirá: coisa de intelectual. Povo não entende de poesia. Entende, sim. O próprio Paulo Leminski conhecia e valorizava a letra de música, que nada mais é – segundo ele – do que a poesia cantada.
Leminski fez não só letras como compôs músicas, com várias parcerias. Caetano Veloso gravou “Verdura”, Paulinho Boca de Cantor gravou “Valeu”, Ney Matogrosso deu voz a “Promessas demais”, Arnaldo Antunes a “Luzes” e Itamar Assumpção gravou “Dor elegante”. Entre outros, entre outros.
Confira aqui Itamar e seu violão com a bela música e letra de Leminski:
https://youtu.be/M-jVdtAUvNs
Se a música tem poesia, também merece ir pra grafitagem. Nos bairros, por exemplo, a letra de música, do rap à MPB, pode buscar no popular a integração com a poesia mais sofisticada de outras ruas, outros espaços.
Foz do Iguaçu, a cidade da poesia. É uma boa ideia?