Foz do Iguaçu e Puerto Iguazú carregam no nome o rio que as separa e a atração que dividem: as Cataratas. Para o turista, é essencial conhecer os dois lados, porque a beleza do lado de cá se completa lá e vice-versa.
Mas nem sempre há um entendimento comum de facilitar tanto a vida dos turistas como daqueles que os trazem para cá – as agências de viagens e turismo – e aqueles que os conduzem de um lado a outro, os taxistas e os motoristas dessas agências.
Há sempre uma ou outra querela, mas, geralmente, o lado que mais provoca polêmicas é o argentino.
Haveria “n” motivos para Foz do Iguaçu impor retaliações a medidas adotadas por Puerto Iguazú, como cobrança de taxas a agências de turismo que vão buscar turistas no aeroporto daquela cidade, a restrição a veículos de turismo de Foz no aeroporto do Parque Nacional Iguazú e até contra o modo truculento de agir das autoridades de trânsito argentinas no trato com os profissionais brasileiros do turismo.
Mas o secretário municipal de Turismo, Indústria, Comércio e Projetos Estratégicos, Gilmar Piolla, embora ouça muitas sugestões para medidas duras, prefere uma solução negociada. “A retaliação não é saudável para o nosso turismo”, afirma.
Piolla entrou na luta para equilibrar a situação nos dois lados da fronteira, mesmo pressionado a agir com rigor contra os argentinos, que “atentam contra as boas práticas do turismo mundial”. Em vez de briga, o diálogo.
Documentos
Por isso, nesta quinta, ele e Carlos Silva, presidente do Conselho Municipal de Turismo, assinaram o teor de dois ofícios, um para autoridades argentinas de turismo e outro para o embaixador brasileiro em Buenos Aires, Sérgio França Danese, com a proposta de “ampliação do processo de integração fronteiriço e turístico”.
O primeiro ofício foi para Mario Andrés Markarian, da Coordenação dos Centros de Fronteira Mesopotâmia Norte, do Ministério do Interior, Obras Públicas e Habitação, em Puerto Iguazú, com cópia para o prefeito Chico Brasileiro, o prefeito de Puerto Iguazú, Claudio Raúl Filippa, o cônsul da Argentina em Foz do Iguaçu, Roberto Ramón Lafforgue, e o cônsul do Brasil em Puerto Iguazú, Fernando Jorge Do Carmo.
O ofício recorda a atuação integrada entre Foz e Puerto Iguazú para eleger as Cataratas do Iguaçu como uma das Sete Novas Maravilhas da Natureza e também em campanhas de divulgação do Destino Iguaçu no Brasil, na Argentina e no exterior.
Depois de destacar que as duas cidades representam uma das mais importantes comunidades binacionais conurbadas no âmbito do Mercosul, o documento diz que Foz do Iguaçu vê “com receio determinadas práticas que, sob nossa perspectiva, dificultam uma efetiva integração do território, indo na contramão das boas práticas do turismo mundial”.
Animosidade
Enumera então tudo aquilo que hoje contribui para uma animosidade do setor turístico de Foz com o de Puerto Iguazú (e com as autoridades da cidade vizinha).
O ofício encaminhado ao embaixador brasileiro na Argentina tem teor semelhante, levando a queixa iguaçuense e, também, a proposta de Foz do Iguaçu de contribuir para que o turismo nas duas cidades tenha igualdade de direitos e deveres.
Ao final, o documento também pede para que seja finalmente implementada a carteira de trânsito vicinal fronteiriço, que foi acordada entre os dois países em 2005, mas até hoje ficou só no papel.
Leia a íntegra:
Ofício SMTU n.º 074/2018
Foz do Iguaçu, 6 de setembro de 2018.
Ao Senhor
Mario Andrés Markarian
Coordinación Centros de Frontera Mesopotamia Norte
Ministerio del Interior, Obras Públicas y Vivienda
Puerto Iguazú, Província de Misiones, República Argentina
Assunto: Ampliação do processo de integração fronteiriço e turístico
Referência: Foz do Iguaçu – Puerto Iguazú
Senhor Coordenador,
Imbuídos de um espírito de integração, vimos pelo presente cumprimentá-lo e manifestar nosso interesse em iniciar um trabalho cooperado entre a Prefeitura do Município de Foz do Iguaçu, através da Secretaria Municipal de Turismo, Indústria, Comércio e Projetos Estratégicos, e a Coordinación Centros de Frontera Mesopotamia Norte, visando estimular e aprofundar a convivência de nossas populações no âmbito de Foz do Iguaçu e Puerto Iguazú.
Juntos, trabalhamos para eleger as Cataratas do Iguaçu como uma das Sete Novas Maravilhas da Natureza. Juntos, desenvolvemos campanhas integradas de divulgação e promoção do Destino Iguaçu no Brasil, na Argentina e no exterior.
Juntos, protegemos a enorme biodiversidade existente no Parque Nacional do Iguaçu e no Parque Nacional Iguazú, ambos considerados Patrimônios Naturais da Humanidade pela UNESCO. E, juntos, com as pessoas de nossas comunidades, sonhamos em transformar essa região cada vez mais num destino turístico de qualidade para o ecoturismo, experiência, lazer, eventos e compras para brasileiros, argentinos e viajantes de todas as nacionalidades.
Como região onde múltiplos elementos geográficos, históricos, culturais econômicos e, especialmente, turísticos são convergentes e considerada uma das mais importantes comunidades binacionais conurbadas no âmbito do MERCOSUL, vemos com receio determinadas práticas que, sob nossa perspectiva, dificultam uma efetiva integração do território, indo na contramão das boas práticas do turismo mundial, quais sejam:
a) Cobrança de “Tasa de Retirada de Pasajeros” feita por condutores de táxis e condutores de remises argentinos no Aeroporto Internacional Cataratas Del Iguazú, em Puerto Iguazú, para “autorizar/permitir” a retirada de passageiros por agências de turismo de Foz do Iguaçu, quando estas recebem seus turistas naquele terminal aeroportuário. Sobre isso, destacamos que não incide nenhum tipo de taxa ou cobrança das empresas de turismo receptivo de Puerto Iguazú que recebem seus passageiros no Aeroporto Internacional de Foz do Iguaçu/Cataratas.
Ademais, sob nossa perspectiva, tal cobrança é ilegal, tanto mais por assumir caráter de tributação praticada por entes privados em área pública.
b) Cobrança de “Tasa Eco Turística” feita pela Municipalidade de Puerto Iguazú, exclusivamente, de condutores e passageiros de veículos particulares, agências de turismo e táxis brasileiros que transitam no trecho urbano da Avenida Victória Aguirre, em Puerto Iguazú.
Sobre isso, também destacamos que não há nenhum tipo de cobrança pelo uso de via pública por veículos de particulares, agências de turismo ou táxis argentinos, bem como não existe restrição no direito de livre circulação de quaisquer pessoas no município de Foz do Iguaçu, sejam argentinos sejam de outras nacionalidades.
Também recordamos que a cobrança desta taxa desvirtua propósito do Acordo de Puerto Iguazú, celebrado entre os governos Argentino e Brasileiro em 30 de novembro de 2005, o qual, conquanto trate de “outorgar um marco adequado às condições dos imigrantes das Partes Acordantes”, têm como pressupostos a integração regional, amizade e a mútua confiança, bem como, concede aos nacionais das Partes, mediante prévio cumprimento das formalidades acordadas, o direito de entrar, sair, circular e permanecer livremente no território do país de recepção.
Como se percebe, gritante é a contrariedade para com o que foi acordado entre os governos de nossos países.
c) Cobrança de “Tasa operatoria para la adhesión – inscripción y/o renovación – al Sistema de Facilitación para Pasajeros del Corredor Turístico en la Zona de Puerto Iguazú” feita pela Dirección Nacional de Migraciones junto às agências de turismo de Foz do Iguaçu.
Sobre isso, primeiramente destacamos que, a nosso ver não pode ser tratada como taxa de adesão, visto que, não existe outra via pública que possibilite aos veículos do porte de ônibus e vans utilizarem o referido corredor turístico. Além disso, não existe qualquer prática de cobrança similar para agências de turismo ou prestadores de serviços turísticos argentinos para o uso das vias públicas que compõem o corredor turístico no trecho de Foz do Iguaçu.
Ademais, ressaltamos que a Prefeitura de Foz do Iguaçu exige dos veículos de prestadores de serviços turísticos argentinos tão somente a autorização expedida pela Municipalidad de Puerto Iguazú.
d) Restrições no uso de estacionamentos do Centro de Recepção de Visitantes do Parque Nacional Iguazú por veículos de agências de turismo de Foz do Iguaçu impostas pela Administración de Parques Nacionales durante os períodos com previsão de maior movimentação turística na região, obrigando as empresas brasileiras que levam os seus turistas para visitação do atrativo a retornar até o centro de Puerto Iguazú, dificultando a operação e impactando negativamente a qualidade dos serviços prestados pelo receptivo turístico de Foz do Iguaçu. Sobre isso, destacamos ainda que os veículos de agências de turismo e táxis argentinos, quando prestam serviços na unidade de conservação brasileira, são autorizados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, através da concessionária Cataratas do Iguaçu S/A, a estacionar, gratuitamente, em local seguro e apropriado, no estacionamento do Centro de Recepção de Visitantes do Parque Nacional do Iguaçu.
e) Comprometimento da melhor integração fronteiriça e do desenvolvimento do turismo no destino devido à confusa prática fiscalizatória adotada no trecho urbano e no Corredor Turístico por agentes de fiscalização de trânsito de Puerto Iguazú, causando dificuldades na operação de serviços de receptivo turístico prestados por empresas de Foz do Iguaçu.
Acerca disso, destacamos a atuação dos agentes de fiscalização de trânsito em Puerto Iguazú, os quais, conforme relatos de representantes do setor turístico de Foz do Iguaçu, motivados pela defesa de categorias profissionais daquela municipalidade, agem de modo agressivo e persecutório com relação às empresas e trabalhadores do receptivo turístico brasileiro.
f) Descumprimento, pela Municipalidade de Puerto Iguazú, de normas estabelecidas no âmbito do ATIT – Acordo sobre Transporte Internacional Terrestre – firmado entre Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai, que estabelece as regras do transporte terrestre entre os referidos signatários –, com base no qual, em reunião realizada no dia 06 de julho de 2007, em Ciudad Del Este, com a participação das delegações da Argentina, Brasil e Paraguai, com o objetivo de simplificar a operação do serviço na fronteira, por conformidade dos representantes das delegações presentes, instituiu-se formalmente o Acordo Trilateral do Circuito Turístico da Tríplice Fronteira, compreendendo a zona delimitada de Ciudad Del Este – PY, Foz do Iguaçu – BR e Puerto Iguazú – AR, alcançando ainda em sua área de abrangência os parques nacionais e aeroportos das três municipalidades.
Sobre o referido Acordo Trilateral do Circuito Turístico da Tríplice Fronteira, recordamos o critério estabelecido, pelo qual poderão operar, livremente, os transportadores inscritos em um registro que cada país determine, devendo para tanto, os operadores atenderem em cada caso os requisitos e normativas vigentes, determinados por cada uma das partes. Recordamos ainda que, posteriormente, durante a III Reunião Técnica de Acompanhamento do Acordo Trilateral do Circuito Turístico da Tríplice Fronteira, realizada em 13 de abril de 2016, em Puerto Iguazú, as delegações da Argentina, Brasil e Paraguai, ratificaram os documentos de transporte de porte obrigatório (definidos ainda na reunião de 06 de julho de 2007, em Ciudad Del Este) e correspondentes ao: (i) Seguro de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário em Viagem Internacional (Carta Azul); (ii) Certificado de Inspeção Técnica Veicular – CITV; e (iii) Lista de Passageiros, bem como, ratificaram a necessidade de identificação dos veículos que realizam o serviço.
Sobre isso, recordamos também a proposta defendida pela Delegação Argentina de permitir a realização da Inspeção Técnica Veicular em qualquer um dos três países que compõem o Circuito Turístico da Tríplice Fronteira, na qual, uma vez atendidos os requisitos de sua expedição, o correspondente Certificado de Inspeção Técnica Veicular – CITV teria validade e seria aceito pelos órgãos fiscalizadores do transporte turístico dos três países no âmbito do respectivo circuito turístico. Acerca disso, recordamos por fim que, houve consenso entre as três delegações presentes, concluindo-se que, desta data em diante, se aceitaria a Inspeção Técnica Veicular efetuada e os respectivos Certificados de Inspeção Técnica Veicular – CITV expedidos por qualquer dos três países.
g) Não obstante, recordamos que, em 19 de janeiro de 2001, foi firmado entre o Intendente Municipal de Puerto Iguazú e o Prefeito Municipal de Foz do Iguaçu, o “Convênio Bilateral de Transporte Turístico Receptivo entre os municípios da Cidade de Puerto Iguazú (Argentina) e a Cidade de Foz do Iguaçu (Brasil)”, em anexo, com o qual muito se avançou na melhoria das relações e na facilitação da convivência entre os entes públicos fiscalizadores e atores privados vinculados à operação dos serviços de receptivo turístico da Tríplice Fronteira.
No referido convênio bilateral, onde figuram como co-signatários os órgãos municipais de turismo e trânsito, bem como, entidades privadas representativas de turismo, formalizou-se o ingresso e o atendimento de passageiros por empresas de viagens e turismo legalmente estabelecidas nas cidades de Puerto Iguazú e de Foz do Iguaçu, podendo as aludidas empresas prestar seus serviços de modo indistinto no âmbito das municipalidades signatárias, senão veja-se:
6º) As Empresas de Viagens e Turismo poderão operar livremente no âmbito dos Municípios envolvidos, sempre que levem em anexo a Lista de Passageiros e/ou Ordem de Serviços correspondente ao serviço turístico que esteja sendo realizado.
7º) As Empresas de Viagens e Turismo poderão operar os Serviços Turísticos, mesmo que os seus passageiros estejam alojados indistintamente na Cidade de Puerto Iguazú ou na Cidade de Foz do Iguaçu.
8º) As Empresas de Viagens e Turismo, terão acesso livre para ingressar com seus veículos próprios ou contratados em ambas cidades, recolhendo seus passageiros para realizar os respectivos Serviços Turísticos nos hotéis que estes passageiros estejam alojados.
Todavia, diante das excessivas exigências, as quais muitas vezes não se atêm aos critérios estabelecidos, vê-se uma gradual desconstrução e um enfraquecimento do Convênio Bilateral firmado em 2001.
h) Além disso, nos termos do Acordo entre a República Federativa do Brasil e a República Argentina sobre Localidades Fronteiriças Vinculadas, em Puerto Iguazú, em 30 de novembro de 2005, para impulsar a integração e proporcionar tratamento diferenciado à população, com ênfase na maior agilidade de circulação e trânsito, recordamos a necessidade de prosseguir na implementação da Carteira de Trânsito Vicinal Fronteiriço.
Assim, na expectativa de fortalecer os vínculos que unem nossas comunidades e diante da perspectiva de consolidar o turismo como vetor do desenvolvimento de nossa região, externamos votos de estima e consideração.
Atenciosamente,
Carlos Silva
Presidente do Conselho
Municipal de Turismo
Gilmar Antonio Piolla
Secretário Municipal de Turismo,
Indústria, Comércio e Projetos Estratégicos