O Não Viu? publicou, no dia 6 de dezembro o artigo “Especulações: quem assumirá a diretoria de Itaipu?” Releia aqui: https://www.naoviu.com.br/especulacoes-assumira-diretoria-itaipu/
Houve ampla repercussão, já que a usina de Itaipu é simplesmente a principal fonte de receita, direta e indireta, de Foz do Iguaçu, ao lado das atividades turísticas.
E a matéria mereceu um comentário de Rogério Piccoli, aposentado de Itaipu e um especialista na questão financeira da usina (ele atuou exatamente na área financeira, até se aposentar).
Ele escreveu (e já está nas cartas) um comentário elogiando a matéria, mas, melhor que isso, lembrou a situação caótica em que estava Itaipu, quando assumiu o então diretor-geral brasileiro Euclides Scalco. Ele ficou no cargo entre 1995 e 2002, com um breve intervalo em 2008, quando se licenciou para participar da campanha do então candidato Fernando Henrique Cardoso.
Scalco, como lembra Rogério Piccoli, saneou as finanças de Itaipu. Piccoli, inclusive, trouxe um artigo que Euclides Scalco publicou no extinto (e conceituado) jornal Gazeta Mercantil, de São Paulo, no qual fala do que foi feito para equilibrar as finanças da usina, que se prepara, em 2023, para encarar um novo tempo, já livre de qualquer dívida da sua construção.
Vale lembrar, ainda, que foi na gestão de Scalco que Itaipu negociou um empréstimo com a Eletrobras para completar as 20 unidades geradoras do projeto inicial. As unidades começaram a operar na gestão de Jorge Samek, a primeira em 2006 e a última em 2007.
O comentário de Rogério Piccoli:
Sobre essa bela matéria, da qual vocês são merecedores de parabéns, existem inúmeros tópicos a serem comentados, tal a importância que todos eles merecem consideração.
Escolho um, pela ordem que mais faz sentido, relativo à situação financeira caótica em que se encontrava a administração da Itaipu, na ocasião em que assumiu sua diretoria-geral, o Senhor Euclides Scalco.
À época, outubro de 1995, sob seu comando, deu-se início a um processo que teve como norte o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro da binacional, cujo sucesso foi alcançado em março de 1997, quando o Conselho de Administração da Itaipu aprovou-o integralmente, merecendo, na ocasião, o elogio não só das autoridades superiores, como também de toda a mídia brasileira.
Para ilustração, dentre todas as matérias publicadas pela imprensa à época,, destacamos uma do jornal “Gazeta Mercantil”, datada de 3 de abril de 1997, de autoria do então diretor-geral brasileiro, historiando o cenário do momento, que era o seguinte:
O esforço para equilibrar as finanças de Itaipu
Euclides Scalco
”Uma corporação é como uma árvore. Existe a parte visível, que é o fruto, e a escondida, que é a raiz. Se nos concentrarmos somente no fruto e esquecermos a raiz, a árvore morre.”
A metáfora em destaque, se enquadra perfeitamente em relação à situação econômico-financeira da ITAIPU até muito recentemente.
O fruto poderia ser comparado ao gigantismo da central hidrelétrica, por ser considerada uma das sete maravilhas da engenharia do mundo moderno, o significado de ser uma fonte formidável de receita financeira, que resulta em desenvolvimento sócio-econômico de regiões do Brasil e do Paraguai, a importância que representa para as necessidades de energia elétrica dos mercados brasileiros e paraguaios, etc.
Essa seria a parte visível, aquela que se encontra na mídia, que encanta a todos nós e proporciona orgulho aos seus proprietários perante o mundo inteiro.
Tudo isso, porém, teve um custo. Um significativo custo que teria necessariamente que ser recuperado anos após, através da receita financeira oriunda da venda de energia elétrica produzida pelas 18 unidades geradoras. Essa receita, evidentemente, em um nível suficiente para cobrir o custo despendido, seria a raiz da árvore da nossa metáfora, sem a qual ela certamente não resistiria.
A partir de nossa investidura no comando da administração da Itaipu (outubro/95), em consequência de honroso convite do presidente Fernando Henrique Cardoso, juntamente com os demais membros da diretoria executiva e o corpo funcional, não foi outra nossa preocupação senão a de corresponder às expectativas em nós depositadas, de bem conduzir e sempre procurar elevar o conceito da ITAIPU em patamar no mínimo idêntico ao que ela representa aos povos irmãos do Brasil e Paraguai.
Com essa determinação e imbuídos de competir contra o tempo, deparamo-nos com um quadro econômico-financeiro muito preocupante, que apresentava um déficit operacional previsto durante a vigência do Tratado que constituiu a Itaipu, em proporções gigantescas, equivalente a US$ 88 bilhões, ou seja, mais de cinco vezes o custo despendido para a execução do empreendimento, com o agravante de que a usina hidrelétrica já teria operado comercialmente por quase 40 anos, tempo que seria suficiente para que estivessem amortizados praticamente 4/5 de seu custo de construção.
Tal situação foi consequência do convívio da ITAIPU com tarifas irrealistas, fixadas para atender a problemas conjunturais, sob pretexto de ter de se adequar à capacidade de pagamento das empresas concessionárias de energia elétrica do Brasil e do Paraguai, resultando numa deterioração gradativa do equilíbrio econômico-financeiro da ITAIPU, com o agravante de que a concepção das bases financeiras estabelecidas para os seus serviços de eletricidade, na prática, deixou a desejar, ensejando um enorme descompasso entre receita e despesa.
Quando Itaipu foi idealizada, seu dispositivo legal econômico-financeiro (Anexo “C” do Tratado celebrado entre o Brasil e o Paraguai), estipulava que a receita ordinária da Itaipu (produto da venda de energia elétrica), deveria ser sempre igual, em cada ano, ao custo do serviço de eletricidade (somatório dos compromissos anuais relativos ao serviço da dívida, pagamento de royalties, rendimentos de capital e encargos de administração e supervisão devidos à Eletrobras e Ande e as despesas de exploração, incluindo o pessoal e demais despesas).
Esse fato (receita igual à despesa) nunca aconteceu. Por quê? Porque as receitas sempre foram menores do que as despesas, pois, entre uma e outra, tem havido uma desigualdade clara entre os respectivos indexadores de correção, em razão de que a receita é indexada pela variação cambial e as despesas são indexadas, em sua grande parte, pela variação dos índices do IGPM ( Índice Geral de Preços – Mercado) e da política salarial, índices esses superiores à variação cambial.
Além disso, acrescente-se o fato de que, sobre os encargos de royalties, rendimentos de capital e ressarcimento de encargos de administração e supervisão, incide o índice da inflação anual acumulada que ocorre nos Estados Unidos da América, o que tem agravado mais ainda o desiquilíbrio econômico-financeiro da Itaipu.
Em outras palavras, enquanto as despesas são sempre crescentes (incluem índices de correção e variação cambial), a receita, cujo valor nominal da tarifa se encontrava fixo desde novembro/1991, cresceu em muito menor escala, pois contemplava somente a variação cambial.
A lógica nos permite afirmar que, se nenhuma providência fosse tomada, o preocupante quadro econômico-financeiro, destacado anteriormente, viria efetivamente a cristalizar-se.
Imediatamente (outubro/1995), por iniciativa da Itaipu, foram feitas gestões junto à Eletrobras, ministérios das Minas e Energia e da Fazenda, no sentido de se demonstrar a real capacidade econômico-financeira da Itaipu e colocar o assunto como um tema relevante, para o qual alguma solução teria de ser encontrada.
Após várias reuniões técnicas que se desenvolveram sobre o assunto, que resultaram numa proposta oficial por parte da Eletrobras, com a devida anuência da Ande, finalmente, tanto a Diretoria Executiva como o Conselho de Administração da ITAIPU (19 e 20/12/96), deliberaram sobre o assunto e submeteram-no à apreciação conjunta da Eletrobras e da Ande, para a posterior formalização final pelo Conselho de Administração da Itaipu.
Objetivando o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro da Itaipu, a proposta oficial da Eletrobras consistiu em:
– Conversão da dívida da Itaipu junto à Eletrobras, tendo como referência o dólar dos Estados Unidos da América;
– Fixação da taxa de juros em 7,5% ao ano e 4,1% ao ano, em vez das taxas de juros de 10% ao ano e 6,6% ao ano, como fixadas originalmente;
– Reajuste do saldo devedor dos contratos de financiamentos firmados pela Itaipu com a Eletrobras pela inflação anual que se verificar nos Estados Unidos da América;
– Aumento em 7% na tarifa de venda de energia elétrica da Itaipu até 1º de abril de 1997, e correções anuais a partir de 1º de janeiro de 1998, com base no índice de inflação anual que se verificar nos Estados Unidos da América; e
– Adoção pela Itaipu de uma política de contenção de suas despesas de exploração, de modo a adequá-las às metas fixadas pelo Conselho de Administração.
O conjunto dessas medidas, uma vez implementadas, deverá criar uma proteção definitiva para a ITAIPU contra alterações na política cambial, na medida em que deverão ser expressas em seu passivo, pela mesma moeda em que é fixada sua tarifa. Em resumo, como a tarifa da Itaipu é expressa em dólar, o ideal é manter os seus compromissos na mesma moeda.
O equacionamento da dívida da Itaipu depende, também, do equilíbrio econômico-financeiro da binacional alcançado nas exaustivas negociações ao longo dos últimos 12 meses com as autoridades brasileiras e paraguaias.
Depende, também, de que se mantenha a regularidade dos pagamentos pelas concessionárias dos dois países pela energia fornecida via Furnas e Eletrosul (Brasil) e Ande (Paraguai). Se ocorrer a inadimplência que acontecia até o início do ano de 1996, todo o esforço despendido ficará comprometido. Itaipu é fundamental para o sistema elétrico brasileiro e paraguaio. Na estiagem do ano passado, Itaipu garantiu o suprimento evitando o racionamento.
O equacionamento da dívida da binacional estabeleceu ainda a redução das despesas de exploração (custeio e pessoal) de 30% até o ano 2000.
Por fim, como resultado do restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro da Itaipu, pode-se afirmar que, ao longo do período 1997-2023, a receita ordinária será igual ao custo do serviço de eletricidade, sendo tal igualdade uma resultante de que ambos os fluxos estarão vinculados a um mesmo indexador, representado pela variação cambial e pela inflação que se verificar nos Estados Unidos da América.”