O Morro do Juramento

Um dia vim a conhecer o, ainda nem tão famoso, Escadinha, filho do Seu Encina, dono da farmácia da Praça de Vicente Carvalho.

Foto ilustrativa: Pixabay

O Morro do Juramento

*Por Carlos Galetti

“Ah! Meu bom juiz, não bata esse martelo nem dê a sentença. Antes de ouvir o que meu povo diz, pois esse homem não é tão ruim quanto o senhor pensa…

… Eu vi o Morro do Juramento triste chorando de dor, se o senhor presenciasse chorava também doutor…”

Homenagem do compositor Bezerra da Silva ao famoso Escadinha, traficante do Rio de Janeiro.

Cheguei a Thomaz Coelho em 1961, quando minha mãe havia passado ao Oriente Eterno. Minha irmã foi morar com a minha vó e eu, com meu pai. Então locamos um quarto na casa do meu tio, com sete primos, três primas e quatro primos.

Talvez vocês estejam perguntando por que iniciei o texto com o samba do Bezerra homenageando o Escadinha. Ocorre que estamos em Thomaz Coelho, no pé do Morro do Juramento, lugar do Escadinha.

O Juramento dava em três frentes, Thomaz Coelho, Vicente de Carvalho e Vaz Lobo, bairros que conviviam com o morro, seu povo, de forma pacífica e ordeira.

Naquele tempo, subíamos o morro, para ir jogar bola no campo que havia no ponto mais alto da elevação, onde um dia vim a conhecer o, ainda nem tão famoso, Escadinha, filho do Seu Encina, dono da farmácia da Praça de Vicente Carvalho.

Eram outros tempos, respeitava-se as tradições e os mais velhos, os bandidos eram bandidos pra fora do morro, presando pela Comunidade em que nasceram, cresceram, onde desenvolveram a sua infância e adolescência.

Nos conhecemos como crianças, nos reconhecemos quando adultos, alguns empregados, outros correndo atrás do prejuízo, e aqueles que entraram na malandragem. O Escadinha foi um desses, seu pai deu-lhe estudo, mas preferiu a vida fácil, nem tanto.

Um dia meu pai me disse que teria gratuidade para estudar no Colégio Militar, devido ao fato de ele ser ex-combatente. Fui para o colégio e comecei a tomar gosto pela vida militar. Meus amigos, que não tiveram tanta sorte, me incentivavam, me dando a maior força.

Por isso mesmo que são amizades eternas, coisas de coração. Morei no bairro até vir para Foz, mas não deixo de visitá-los quando vou ao Rio. Vivi no meio da malandragem, mas não me deixei influenciar pelas suas ideias, até respeitando seus ideais, sem me contrapor ou largar a amizade.

Certa feita rachamos uma festa, lá na birosca do Seu Lopes, pai do Sulivan, amigo de infância. Levamos as bebidas, compramos salgadinhos, pronto era só curtir o sábado. Ao final sobrou bebida e dinheiro do racha, decidimos reforçar a coleta e comprar umas sardinhas pra tira-gosto.

Fiquei encarregado, temperei a sardinha para fritura, levando pronta para o crime. Domingo de sol, começamos a brincadeira. Sardinha frita e cerveja, bate-papo e brincadeiras. Lá pelas tantas o morro fechou, eram helicópteros, polícia subindo, horror total.

Continuamos com nossa festinha, sardinha frita e cerveja gelada. A polícia veio, identificou o pessoal, inclusive eu que era major na ocasião.

Como vieram partiram, e continuamos, sardinha e gelada. Esse era o nosso morro, comunidade pacata e ordeira. Hoje o bicho pega, sem possibilidade de frequentar, cerveja com os amigos só aqui embaixo.

Que Deus abençoe os morros cariocas.

*Carlos A. M. Galetti é coronel da reserva do Exército, foi comandante do 34o Batalhão de Infantaria Motorizado. Atualmente é empresário no ramo de segurança, sendo sócio proprietário do Grupo Iguasseg. 

Vivendo em Foz já há mais de 20 anos, veio do Rio de Janeiro, sua terra natal, no ano de 1999, para assumir o comando do batalhão.

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