Os US$ 2 bilhões que vão sobrar na Itaipu, com o pagamento da dívida, são uma ficção

Se a despesa da dívida já não existe, a receita correspondente também desaparece. Simples assim.

Visitantes na Itaipu. Foto: Kiko Sierich/PTI

Itaipu e o famoso “1 bilhão de dólares pra cada lado”

*Por Celso Torino

Recados via imprensa às autoridades que recém assumem cadeiras relevantes são comuns e, às vezes, até úteis, mas todos esses recados deveriam ter uma sustentação técnica razoável.

Portanto, a título de esclarecimento, vale ressaltar que os US$ 2 bilhões para inflar o orçamento da Itaipu (US$ 1 bilhão para cada lado), com o fim do pagamento da dívida de ITAIPU, é uma ficção que ainda ilude os mais desavisados. Este dinheiro não existe e nunca existiu.

O Tratado é claro sobre a estrutura financeira deste colossal empreendimento binacional: a UHE de Itaipu foi concebida e viabilizada como uma empresa que não visa lucro e opera como base no custo do serviço de eletricidade (CUSE), afinal, se assim não fosse, não faria sentido o consumidor ser “obrigado” a contratar e pagar pela energia de ITAIPU.

Se a dívida de construção já foi paga pelos consumidores, essa despesa não mais existe e, portanto, desaparece do cálculo da tarifa.

Assim, a partir de 2023, os cerca de US$ 2 bilhões anuais desembolsados para pagamento de encargos e amortizações da dívida não estão mais previstos no orçamento da binacional. Aliás, 600 milhões desses 2 bilhões de dólares já deixaram de existir desde dezembro de 2021.

Se a despesa da dívida já não existe, a receita correspondente também desaparece. Simples assim.

Não é mágica: é a aplicação literal do Tratado e seus anexos em vigência. Esta montanha de dinheiro que amortizava a dívida da construção de Itaipu, na verdade, nunca entrou no caixa de Itaipu. Era um numerário que circulava entre os pagadores – majoritariamente, as distribuidoras brasileiras das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, que cobravam a parcela correspondentes dos seus cerca de 131 milhões de consumidores, embutida na fatura mensal de energia elétrica –, a “conta Itaipu” gerenciada pela Eletrobrás (hoje pela sucedânea ENBPar), e o destinatário final, o credor Tesouro Nacional brasileiro.

Esta matemática financeira era regida pela chamada Lei Itaipu (Lei no. 5.899, 5/7/1973) e, evidentemente, pelo Tratado e seus anexos em vigência. A tarifa de repasse de Itaipu para o exercício de 2023 – homologada pela ANEEL em 29 de dezembro de 2022 –, foi calculada em conformidade com as regras estipuladas pelo Anexo C do Tratado. Assim, a tarifa de 12,67 US$/kW – reflete a eliminação do peso da dívida.

O “1 bilhão pra cada lado” não existe e nunca existiu para o bem e o direito de milhões de consumidores e “eleitores” brasileiros e paraguaios assim como para a competitividade e saúde financeira da própria Itaipu.

E a revisão do Anexo C do Tratado binacional da ITAIPU, que se inicia em agosto de 2023, sem prazo para terminar? Aí é outra história que podemos conversar oportunamente.

*Celso Torino é vice-presidente de Gestão Portfólio e Mercados CIER e, entre outros cargos que ocupou na Itaipu Binacional, onde se aposentou, foi o de diretor Técnico executivo da empresa.

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