Papai Noel

Enquanto se afastava, pensou que pararia com aquela vida de Papai Noel

Foto ilustrativa: Pixabay

Papai Noel

*Por Carlos Galetti

Cândido desceu o São Carlos, parece samba, mas não é. Como fazia em todo ano, tirava férias em dezembro e pegava o cargo de Papai Noel no Shopping que ficava próximo ao morro.

Cândido estava a caráter, um Papai Noel estiloso, roupa bem passada, bem lavada, um verdadeiro brinco, como dizia minha vó. Agora que arrumara um bom emprego, como carregador para uma grande firma de transporte, contando com a preferência dos motoristas, pois era “safo”, um verdadeiro avião.

Estava todo maceteado com o serviço, cumpria suas obrigações com rapidez e eficiência, antecipando-se aos problemas, apresentando soluções, às vezes, antes dos problemas surgirem. Poderia até evitar o serviço de Papai Noel, mas já se acostumara e os contratantes não abriam mão do seu carisma. Tinha crianças que já vinha há anos para vê-lo.

Enquanto descia o morro, em direção ao asfalto que se avizinhava, chamava a atenção de todos por quem passava, tanto de moradores, quanto traficantes. Todos o conheciam, falava com todos, com alguns brincava, fazia o seu laboratório de Papai Noel com as crianças do morro, preparando-se para o serviço.

Nesse dia foi abordado por um avião do tráfico, dizia que o Chefe da Boca queria lhe falar, ao que disse que só voltaria por volta das 23h00. Então o rapaz disse que procurasse o chefe na birosca de Seu Paraíba, que o estaria aguardando.

Quando retornou dirigiu-se direto à Birosca do Paraíba, lá encontrando o traficante, que disse que gostaria de fazer uma festa de Natal na Comunidade, inclusive com distribuição de presentes e que lhe pagaria pelos seus serviços de Papai Noel, o que foi acertado e combinado.

No dia 24 a Comunidade estava em festa, tinha comidas típicas, bolos e refrigerantes, cerveja, enfim, tudo o que era necessário para animar aquela festa. Na hora da distribuição de presentes, as crianças foram reunidas e foi o marco da festa, ficando todos felizes com os presentes recebidos por seus filhos.

Já no dia 26, o morro foi atacado por um grupo rival que fez miséria na Comunidade, matou inocentes e traficantes, inclusive o chefe. Muitas balas perdidas que acharam adultos e pequenos que ainda nem tinham despertado para a vida.

Cândido desceu o morro e foi abordado por uma viatura da PM descaracterizada, eram integrantes da inteligência da polícia, queriam saber sobre a festa de Natal no morro. Respondeu que foi uma linda festa, mas que, infelizmente, a criança que recebera um novo carrinho nem chegou a aproveitar seu presente, pois morrera vitimada por uma bala perdida.

Que alguns adultos da Comunidade tinham tido seu último Natal, pois foram vitimados pelos marginais que haviam invadido a favela, na intenção de tomar o ponto de drogas ali existente. Ainda perguntou aos policiais do serviço reservado, vocês não sabiam?

Os policiais, como que envergonhados o dispensaram, agradecendo as informações. Ele se afastou e ainda desejou um Feliz Natal aos policiais.

Enquanto se afastava, pensou que pararia com aquela vida de Papai Noel.

*Carlos A. M. Galetti é coronel da reserva do Exército, foi comandante do 34o Batalhão de Infantaria Motorizado. Atualmente, é empresário no ramo de segurança, sendo sócio proprietário do Grupo Iguasseg. 

Vivendo em Foz já há mais de 20 anos, veio do Rio de Janeiro, sua terra natal, no ano de 1999, para assumir o comando do batalhão.

 

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