Pensamentos

O homem solitário é cheio de questionamentos, talvez a falta de alguém pra debater, aconselhar ou até prevenir

Foto ilustrativa: Pixabay

Pensamentos

*Por Carlos Galetti

Enquanto olho a chuva através da janela, resolvo acender um cigarro, já é o segundo em menos de uma hora. Observo como os pingos batem e escorrem pela vidraça, dando a impressão que querem se firmar, mas esforço em vão, escorregam e caem sob o peso das próprias massas disformes.

Mais uma tragada e faço outras observações, como o meu reflexo envelhecido, que se torna assustador, quando suas linhas se confundem com os pingos da chuva que escorrem e são expulsos da imagem, sendo forçados a um suicídio inevitável, projetados na grama que amarga o frio e a umidade lá fora.

Penso se devo beber uma dose de whisky, afinal ontem bebi e fui fundo. O homem solitário é cheio de questionamentos, talvez a falta de alguém pra debater, aconselhar ou até prevenir.

Opção por uma dose, ou duas, ou três, ou…

Após o segundo gole, acendo mais um cigarro, paro de controlar as doses, os cigarros e os pingos da chuva. Assumo a direção da nave que me conduz, em ritmo de torvelinho, mais uma vez, a uma noite cheia de lembranças e fantasmas.

Resolvo preencher o espaço com alguma música de boa qualidade, opto por estar só, pois quero me agradar, ouvir o que quero, fazer o que quero, sofrer como quero. Ou não sofrer, poderia não beber, não fumar, não ouvir.

Eta! Vida Severina, lembrei da frase pronunciada em “Morte e Vida Severina”. Onde estava? Acho que divaguei. Próprio dos solitários, alguns falam sozinho, outros não falam, outros, ainda, tem a capacidade de enlouquecer.

Mais um acorde, nem sei a música que toca, pois não me toca, vazia sua melodia ou o vazio está em mim. Volto à realidade, ou tento, pois sei que não consigo, ainda estou perdido nos pensamentos anteriores e atuais.

Pensamentos e lembranças se confundem nos goles, tragos e tons. Já vislumbro um sorriso, mas surpreendo-me com o fato de que o rosto que sorria escorreu com os pingos. Passo a controlar os pingos, mas não os vejo mais, calando-me a saudade tristonha.

Adormeci, acordei e fui trabalhar.

Quando voltei, já noite, tomei um banho e mergulhei na sala, a mesma sala, já estou diante da mesma janela. Está chovendo de novo, vejo pela janela, os mesmos pingos escorrem, parecendo caçoar de mim.

Acendo um novo cigarro, o segundo em menos de uma hora. Hoje tudo será diferente, faço jura, mas pego a garrafa de whisky.

Quantas noites ainda vou suportar?…

“O poeta finge tão completamente que chega fingir que é dor a dor que deveras sente”.

Fernando Pessoa, poeta português

*Carlos A. M. Galetti é coronel da reserva do Exército, foi comandante do 34o Batalhão de Infantaria Motorizado. Atualmente é empresário no ramo de segurança, sendo sócio proprietário do Grupo Iguasseg. 

Vivendo em Foz já há mais de 20 anos, veio do Rio de Janeiro, sua terra natal, no ano de 1999, para assumir o comando do batalhão.

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