Repovoamento de peixes no Paraná: “nem 0,01% dos alevinos deve sobreviver”

Tal afirmação foi confirmada pelo biólogo Angelo Antonio Agostinho, considerado um dos cientistas mais influentes do mundo

Nem 0,01% deles deve sobreviver. Foto: IAT

Em virtude de uma matéria do governo do Paraná anunciando o repovoamento de peixes dos rios do Paraná com mais 10 milhões de peixes nativos até 2026 (veja a matéria aqui), o Não Viu? foi buscar com um dos maiores especialistas no assunto, o cientista Domingo Rodriguez Fernandez, uma explicação sobre a eficácia de tal medida.

Resumo da ópera: Domingo acredita que menos de 0,01% dos alevinos devem sobreviver.

Tal afirmação foi confirmada pelo biólogo Angelo Antonio Agostinho, professor e pesquisador da UEM (Universidade Estadual de Maringá), considerado um dos cientistas mais influentes do mundo, de acordo com estudo publicado no periódico PLOS Biology.

Agora, vamos ao que diz Domingo.

“É um problema sério, tendo em vista que a compra dos alevinos será feita com dinheiro dos impostos.

Provavelmente, nem 0,01% dos alevinos vão sobreviver até a fase adulta e reprodutiva, por diversas razões:

Será que a origem dos reprodutores não vem de seleção da piscicultura visando rápido crescimento e boa conversão alimentar e baixa diversidade genética?

São fatores importante para uma piscicultura comercial, mas inúteis e até danosos ao ecossistema de um rio.

Espécies migradoras não têm cuidado parental (não cuidam de seus filhotes) e se utilizam da dinâmica do ecossistema para favorecer a sobrevivência das fases jovens (larvas e alevinos). Pois, normalmente, desovam no período de início de cheia, para que os ovos e as larvas sejam direcionados pelas correntes rio abaixo e se desloquem passivamente para as áreas de criadouros naturais, compostas por várzeas e lagoas alagáveis e sigam seu ciclo.

Sem isso, o que vai ocorrer é a soltura de jovens alevinos no corpo do rio, onde naturalmente não existem nessa fase da vida e vão ter dois problemas: a falta de alimentação natural para a idade (zoo e fitoplâncton e insetos) e a presença de predadores, o oposto ao que ocorre nas áreas de lagoas e várzeas (disponibilidade de alimentos e baixa presença de predadores naturais quando comparado a um rio).

O correto seria a preservação dessas áreas de berçários e se, eventualmente, não houver a presença natural de juvenis nestas áreas, aí sim se poderá pensar em peixamento, desde que sejam indivíduos com tamanhos proporcionais ao esperado na natureza e com boa diversidade genética (oriundos de diversos pares de casais, de pelo menos 50).

Caso contrário, estaremos jogando milhões de alevinos (comprados com dinheiro público) em um ambiente de peixes adultos e onde naturalmente não ocorrem.

Recuperar e preservar esses ambientes de berçários naturais (lagoas marginais e várzeas) certamente é muito mais eficaz, que enviar esses alevinos de baixa diversidade genética (quase clones) para serem predados pelos peixes residentes nos leitos dos rios.

Importante também marcar esses alevinos para podermos acompanhar os resultados, via microchips como as pittags (Passive Integrated Transponders) são pequenos microchips de 11,5 mm aplicados sob a pele do animal) ou mesmo uma impressão química na cauda, para se avaliar corretamente o grau de sobrevivência destes alevinos.

Abraços e espero que minhas observações sirvam para reverter essa tendência sem a devida base científica.

Domingo Rodriguez Fernandez

Em tempo
O professor Agostinho disse o seguinte sobre a afirmação de Domingo: “isso mesmo. Sem contar que, mesmo com os cuidados genéticos, a domesticação é inevitável. As forças de seleção em uma estação de piscicultura são distintas e por vezes opostas àquelas em que os alevinos se desenvolvem”.

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