Por Cris Loose, especial para o Não Viu?
Desde o início da pandemia, há pelo menos três anos, a entrada irregular de vinhos argentinos no Brasil vem aumentando.
Segundo dados da Receita Federal, nos anos de 2021 e 2022, mais de 1 milhão de garrafas, avaliadas em aproximadamente R$ 120 milhões, foram apreendidas.
Já no primeiro semestre deste ano, foram apreendidas, em todo o país, mais de 300 mil garrafas da bebida. O valor foi estimado em R$ 26 milhões.
Destinação – A legislação permite que os vinhos sejam incorporados, destinados à leilão ou destruídos. No Paraná e Santa Catarina, a Receita Federal busca sempre que possível transformar o vinho em outros produtos (álcool gel, geleia, insumo para pesquisas universitárias) da maneira ecologicamente mais viável, com o cuidado de também realizar a reciclagem das garrafas e embalagens.
Segundo a Receita Federal, das 234 mil garrafas de vinho apreendidas de janeiro a julho deste ano, avaliadas em R$ 19,5 milhões, 25 mil unidades foram para leilão, 26 mil unidades foram doadas para diversas instituições, entre elas, as faculdades, e 189 mil unidades foram destruídas. Os dados são da superintendência da Receita Federal, que compreende o Paraná e Santa Catarina.
Transformação – Do começo do ano até agora, apenas a Unicentro, de Guarapuava, que é uma das universidades que recebem bebidas apreendidas, já produziu cerca de 15 mil litros de álcool.
O diretor da Agência da Inovação da Unicentro – NOVATEC, Professor Maico Taras da Cunha, contou que o percentual de aproveitamento no processo de transformação é de 96%. O restante (água, açúcar e corante) pode ser aplicado em estudos de irrigação por ser rico em nutrientes para o solo.
Como a maior parte do produto é transportado em tanques, há pouco descarte de embalagens de vidro e, quando necessário, o material vai para uma unidade de reciclagem, em Curitiba.
O Professor explicou que a produção de álcool, seja álcool gel ou 70%, por exemplo, a partir da transformação das bebidas alcoólicas, vai depender do teor alcoólico da bebida.
No caso de vinhos, o teor médio de álcool gira em torno de 11% e 14%. “A mistura ideal é a que tem cerca de 20% de teor alcóolico no pré-processamento e nós conseguimos isso misturando destilados ao vinho”, explicou Cunha. Os destilados, como whisky e vodka chegam a apresentar um teor de 50% de álcool.
Na hora do processamento, as diferentes bebidas (destilados e fermentados) podem ser misturadas, mas durante o armazenamento é necessário fazer um tratamento químico para evitar, no caso do vinho, a fermentação.
Mantendo o cunho social e ambiental, depois de processado, o produto final é destinado para os órgãos públicos do Paraná.
Fronteira – As cidades onde foram registradas mais apreensões são Dionísio Cerqueira (SC) e Foz do Iguaçu (PR).
“Estima-se que vai haver uma quantidade maior de apreensões em 2023. Mas, temos um fator limitante que é a quantidade de servidores disponíveis para as atividades de fiscalização. Mesmo assim, a tendência é de que supere os anos anteriores”, destacou um dos servidores que atuam na alfândega da cidade catarinense. Ele também ressaltou a importância do apoio das outras forças de segurança, no combate à entrada de produtos irregulares.
No ano de 2021, a alfândega de Dionísio Cerqueira foi responsável pelas apreensões de 21,3% do total nacional. Em 2022, por 18,7% e, em 2023, já está em 14,9%.
Foz do Iguaçu (PR) é outra cidade que registra muitas apreensões. Só nesse ano, quase 15% das apreensões registradas no país, ocorreram aqui na região.
O Delegado da Receita Federal em Foz do Iguaçu, Auditor-fiscal Paulo Bini, explicou que as principais vias de ingresso dos vinhos argentinos ao Brasil têm sido pela Ponte Tancredo Neves (PTN) – que liga as cidades de Foz do Iguaçu e Puerto Iguazu – e, também, pelo Rio Iguaçu.
“A entrada da mercadoria no país, em pequenas quantidades, pelo conhecido método ‘formiguinha’ faz com que o movimento, tanto na Ponte quanto no rio, seja equivalente. A solução é o cadastramento geral de uso de cota na PTN, mas isso depende de reforços”, disse.
Assim como em Dionísio Cerqueira, Bini também destacou as operações conjuntas realizadas pela Receita Federal e outros órgãos e forças policiais. Bini explicou que a fiscalização tem ocorrido com o apoio de trabalho de inteligência, principalmente em depósitos e estradas.
Tributação – Para o presidente do IDESF, Luciano Stremel Barros, essa movimentação irregular na fronteira é reflexo da alta carga tributária brasileira e da necessidade de atenção dos governos para o desenvolvimento de toda a cadeia do setor vitivinícola.
“O setor vitivinícola impulsiona de forma expressiva o desenvolvimento regional – fomenta o enoturismo, gera emprego e renda e contribui para as economias das regiões onde se instala”, explicou.
A média de tributação de vinhos no Brasil é de 47%. Entretanto, há estados em que o valor é ainda maior.
“Desde sempre o setor vitivinícola no Brasil foi desenvolvido a partir do esforço dos vitivinicultores e dos próprios projetos. O Brasil precisa pensar neste setor com carinho e dedicação, pois ele tem potencial de se expandir e criar um ciclo de economias sustentáveis e de longo prazo em diversas regiões do país”.